10 Poemas de Fagundes Varella: Poeta do Romantismo Brasileiro
1. VIDA DE FLOR
Por que vergas-me a fronte sobre a terra?
Diz a flor da colina ao manso vento,
Se apenas às manhãs o doce orvalho
Hei gozado um momento?
Tímida ainda, nas folhagens verdes
Abro a corola à quietação das noites,
Ergo-me bela, me rebaixas triste
Com teus feros açoites!
Oh! deixa-me crescer, lançar perfumes,
Vicejar das estrelas à magia,
Que minha vida pálida se encerra
No espaço de um só dia!
Mas o vento agitava sem piedade
A fronte virgem da cheirosa flor,
Que pouco a pouco se tingia, triste,
De mórbido palor.
Não vês, oh brisa? lacerada, murcha,
Tão cedo ainda vou pendendo ao chão,
E em breve tempo esfolharei já morta
Sem chegar ao verão?
Tem piedade de mim! deixa-me ao menos
Desfrutar um momento de prazer,
Pois que é meu fado despontar na aurora
E ao crepúsculo morrer!...
Brutal amante não lhe ouviu as queixas,
Nem às suas dores atenção prestou,
E a flor mimosa, retraindo as pétalas,
Na tige se inclinou.
Surgiu na aurora, não chegou à tarde,
Teve um momento de existência só!
A noite veio, procurou por ela,
Mas a encontrou no pó.
Ouviste, oh virgem, a legenda triste
Da flor do outeiro e seu funesto fim?
Irmã das flores à mulher, às vezes
Também sucede assim.
Poema Vida de Flor de Fagundes Varella
Fagundes Varella
2. DEIXA-ME!
Quando cansado da vigília insana
Declino a fronte num dormir profundo,
Por que teu nome vem ferir-me o ouvido,
Lembrar-me o tempo que passei no mundo?
Por que teu vulto se levanta airoso,
Tremente em ânsias de volúpia infinda?
E as formas nuas, e ofegante o seio,
No meu retiro vens tentar-me ainda?
Por que me falas de venturas longas,
Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta,
Doces perfumes a polutas flores?
Não basta ainda essa existência escura,
Página treda que a teus pés compus?
Nem essas fundas, perenais angústias,
Dias sem crenças e serões sem luz?
Não basta o quadro de meus verdes anos
Manchado e roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?
Ah! não me lembres do passado as cenas,
Nem essa jura desprendida a esmo!
Guardaste a tua? a quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?
A quantos outros, inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio seio
Entre promessas de eternal paixão?
Oh! fui um doido que segui teus passos,
Que dei-te em versos de beleza a palma;
Mas tudo foi-se, e esse passado negro
Por que sem pena me despertas n’alma?
Deixa-me agora repousar tranqüilo,
Deixa-me agora dormitar em paz,
E com teus risos de infernal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!
Deixa-me! Fagundes Varella.
Fagundes Varella
3. A MULHER
(A C...)
A mulher sem amor é como o inverno,
Como a luz das antélias no deserto,
Como espinheiro de isoladas fragas,
Como das ondas o caminho incerto.
A mulher sem amor é mancenilha
Das ermas plagas sobre o chão crescida,
Basta-lhe à sombra repousar um’hora
Que seu veneno nos corrompe a vida.
De eivado seio no profundo abismo
Paixões repousam num sudário eterno...
Não há canto nem flor, não há perfumes,
A mulher sem amor é como o inverno.
Su’alma é um alaúde desmontado
Onde embalde o cantor procura um hino;
Flor sem aromas, sensitiva morta,
Batel nas ondas a vagar sem tino.
Mas, se um raio do sol tremendo deixa
Do céu nublado a condensada treva,
A mulher amorosa é mais que um anjo,
É um sopro de Deus que tudo eleva!
Como o árabe ardente e sequioso
Que a tenda deixa pela noite escura
E vai no seio de orvalhado lírio
Lamber a medo a divinal frescura,
O poeta a venera no silêncio,
Bebe o pranto celeste que ela chora,
Ouve-lhe os cantos, lhe perfuma a vida...
— A mulher amorosa é como a aurora.
Poemas
Fagundes Varela
4. O VIZIR
- Não derribes meus cedros! murmurava
O gênio da floresta aparecendo
Adiante de um vizir, senão eu juro
Punir-te rijamente! E no entanto
O vizir derribou a santa selva!
Alguns anos depois foi condenado
Ao cutelo do algoz. Quando encostava
A cabeça febril no duro cepo,
Recuou aterrado: - “Eternos deuses!
Este cepo é de cedro!” E sobre a terra
A cabeça rolou banhada em sangue!
Fagundes Vare
5. TRISTEZA
Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fronte
Amo a neblina que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte.
Amo nas plantas, que na tumba crescem,
De errante brisa o funeral cicio:
Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.
Amo a desoras sob um céu de chumbo,
No cemitério de sombria serra,
O fogo-fátuo que a tremer doideja
Das sepulturas na revolta terra.
Amo ao silêncio do ervaçal partido
De ave noturna o funerário pio,
Porque minh’alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.
Amo do templo, nas soberbas naves,
De tristes salmos o troar profundo;
Amo a torrente que na rocha espuma
E vai do abismo repousar no fundo.
Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
A voz da morte no fatal parcel,
Porque minh’alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel.
Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre na amplidão perdido.
Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito seio,
Porque minh’alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas negras sacudindo o estrago;
Amo as metralhas, o bulcão de fumo,
De corvo as tribos em sangrento lago.
Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores,
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minha’alma descorou de dores.
O céu de anil, a viração fagueira,
O lago azul que os passarinhos beijam,
A pobre choça do pastor no vale,
Chorosas flores que ao sertão vicejam,
A paz, o amor, a quietação e o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh’alma se despiu de crenças,
E do sarcasmo se embuçou no manto
Fagundes Varella
Poemas
6. ELEGIA
A noite era bela - dormente no espaço
A lua soltava seus pálidos lumes;
Das flores fugindo, corria lasciva
A brisa embebida de moles perfumes.
Do ermo os insetos zumbiam na relva,
As plantas tremiam de orvalho banhadas,
E aos bandos voavam ligeiras falenas
Nas folhas batendo com as asas douradas.
O túrbido manto das névoas errantes
Pairava indolente no topo da serra;
E aos astros - e às nuvens perfumes - sussurros,
Suspiros e cantos partiam da terra.
Nós éramos jovens - ardentes e sós,
Ao lado um do outro no vasto salão;
E as brisas e a noite nos vinham no ouvido
Cantar os mistérios de infinda paixão!
Nós éramos jovens - e a luz de seus olhos
Brilhava incendida de eternos desejos,
E a sombra indiscreta do níveo corpinho
Sulcava-lhe os seios em brandos arquejos!
Nós éramos jovens - e as balsas floridas
O espaço inundavam - de quentes perfumes,
E o vento chorava nas tílias do parque,
E a lua soltava seus tépidos lumes!...
Ah! mísero aquele que as sendas do mundo
Trilhou sem o aroma de pálida flor,
E à tumba declina, na aurora dos sonhos,
O lábio inda virgem dos beijos de amor!
Não são dos invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam.
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por gozos se contam.
Assim nessa noite de mudas venturas,
De louros eternos minh’alma enastrei;
Que importa-me agora martírios e dores,
Se outrora dos sonhos a taça esgotei?
Ah! lembra-me ainda! - nem um candelabro
Lançava ao recinto seu brando clarão,
Apenas os raios da pálida lua
Transpondo as janelas batiam no chão.
Vestida de branco - nas cismas perdida,
Seu mórbido rosto pousava em meu seio,
E o aroma celeste das negras madeixas
Minh’alma inundava de férvido anseio.
Nem uma palavra seus lábios queridos
Nos doces espasmos diziam-me então:
Que valem palavras, quando ouve-se o peito
E as vidas se fundem no ardor da paixão?
Oh! céus! eram mundos... ai! mais do que mundos
Que a mente invadiam de etéreo fulgor!
Poemas divinos - por Deus inspirados,
E a furto contados em beijos de amor!
No fim do seu giro, da noite a princesa
Deixou-nos unidos em brando sonhar;
Correram as horas - e a luz da alvorada
Em juras infindas nos veio encontrar!
Não são dos invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam...
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por dores se contam!
Ligeira... essa noite de infindas venturas
Somente em minh’alma lembranças deixou...
Três meses passaram, e o sino do templo
À reza dos mortos os homens chamou!
Três meses passaram - e um lívido corpo
Jazia dos círios à luz funeral,
E, à sombra dos mirtos, o rude coveiro
Abria cantando seu leito afinal!...
Nós éramos jovens, e a senda terrestre
Trilhávamos juntos, de amor a sorrir,
E as flores e os ventos nos vinham no ouvido
Contar os arcanos de um longo porvir!
Nós éramos jovens, e as vidas e os seios,
O afeto prendera num cândido nó!
Foi ela a primeira que o laço quebrando
Caiu soluçando das campas no pó!
Não são dos invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam,
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por dores se contam!
- 1861.
Fagundes Varella
7. ILUSÃO
8. NÃO TE ESQUEÇAS DE MIM!
9. NAPOLEÃO
10. AURORA
11 AS SELVAS
Quem foi Fagundes Varella?
Poeta romântico, Fagundes Varella foi um dos maiores expoentes da poesia brasileira, em seu tempo com obras de características marcantes para a literatura brasileira.
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